Domingos Armando Manecas Kimbila, 35 anos, é funcionário do Ministério da Educação, afecto à direcção provincial do sector no Moxico desde 2003, data em que ingressou na função pública. Por estar a ser vítima de “perseguição por parte do director da Educação”, recorreu ao F8 para denunciar o “bloqueio terrível” ao seu recadastramento.
Por Sedrick de Carvalho
O recadastramento é um acto administrativo que tem sido levado a cabo pelo Ministério das Finanças com objectivo de descobrir os funcionários com dupla efectividade e eliminar os “fantasmas” – indivíduos que não trabalham mas que recebem salários.
Em 2009, Domingos Kimbila pediu à direcção provincial da Educação autorização para “aumentar o nível académico”, isto é, que fosse dispensado do trabalho para fazer a licenciatura numa universidade localizada no Zimbabué, a United Methodist Related Institution – Africa University. Quatro meses depois, o director provincial da Educação, Abel Jones Piqui (foto), autorizou Domingos Kimbila a efectuar seus estudos fora do país, conforme a declaração de serviço emitida a 5 de Janeiro de 2010 e em posse deste jornal.
Por dificuldades financeiras, Kimbila desistiu dos estudos no Zimbabué. De regresso ao país, ingressou numa instituição de ensino superior privada em Luanda, e informou a entidade patronal no Moxico deste facto, tanto que teve o apoio dos colegas e superiores hierárquicos, inclusive do director provincial.
Quando começou o processo de recadastramento no Moxico, em Agosto de 2016, Domingos Kimbila encontrava-se hospitalizado, pois tinha fracturado a perna esquerda num acidente. Com medo de perder o emprego, o funcionário implorou que lhe dessem alta no hospital, comprou bilhete de viagem e partiu para o Luena ainda doente.
Chegado ao Moxico, precisamente na direcção provincial das Finanças, local onde decorria o recadastramento dos funcionários que haviam perdido a oportunidade no período normal, Domingos Kimbila foi confrontado com a necessidade de confirmação da efectividade por parte do seu superior hierárquico imediato para que fosse recadastrado.
Kimbila, antes da licença para estudar, exercia a função de técnico de planeamento e estatística na direcção provincial da Educação, pelo que o seu superior hierárquico imediato era, precisamente, o director provincial da Educação, Abel Jones Piqui.
Contactado em seguida, por telefone, Abel Piqui disse ao funcionário do Ministério das Finanças que não cadastrasse Domingos Kimbila, “embora seja um bom rapaz”.
“Ele disse ao homem das Finanças que me conhece muito bem e que até sou um bom rapaz, mas que não podiam me recadastrar simplesmente, sem argumentos”, lembrou Kimbila.
Da direcção provincial das Finanças à Educação são poucos metros de distância. Domingos Kimbila apressou o passo até lá para obter a confirmação da efectividade do “chefe Piqui”, mas sem sucesso.
“O director não me recebia, tanto que veio a Luanda, e também vim ao encontro dele”, contou.
Na capital, Kimbila foi recebido pelo “chefe Piqui” em sua casa, pois, para além da relação laboral, ambos sempre tiveram uma relação de amizade, segundo o funcionário, que acrescentou: “Não aceitou falar sobre assunto de trabalho alegando que essa conversa devia acontecer no Luena”.
Enquanto Kimbila andava atrás do director, o salário continuava a ser pago. Até Dezembro de 2016. Agora, Domingos Kimbila já não é funcionário público, pois Abel Jones Piqui não quer confirmar a efectividade do seu colega.
Abel Jones Piqui, importa frisar, é secretário provincial para a informação do MPLA no Moxico. Nunca esclareceu o funcionário os motivos para não autorizar o seu recadastramento, tendo inclusive humilhado o técnico perante os colegas da direcção provincial quando o mesmo exigia explicação, em Março, ao deixá-lo a falar sozinho na sala de espera da instituição.
“No mês passado voltei ao Luena para falar com ele, mas não me recebeu. Encontrou-me na sala e passou-me, depois de ter esperado por ele durante o dia todo. Fiquei ali a falar sozinho, os colegas a verem-me como se fosse louco”, explicou.
Alguns dias depois, noutra tentativa para obter resposta, Kimbila fez-se presente novamente no local de trabalho. No corredor da direcção provincial, Kimbila deparou-se com Abel Piqui no momento em que este último chegava à instituição. Sem moderação, Abel Piqui disse: “Estás aqui a fazer o quê? Você já não pertence aqui, na educação”, recordou Kimbila.
Contactamos o director provincial da Educação via telefónica, e, em resposta, garantiu que Domingos Kimbila já não faz parte dos quadros do Ministério da Educação no Moxico. Perguntamos as razões, e ele disse: “Ele nunca foi trabalhar e não aproveitou o tempo que lhe demos para ir estudar, por isso temos de o disciplinar”.
Os documentos que autorizam Domingos Kimbila a estudar não fazem qualquer menção à obrigação de ir trabalhar ao longo da licença atribuída. Solicitamos ao queixoso documentos comprovativos dos estudos, e apresentou-nos uma declaração passada pelo departamento académico da instituição de ensino superior com as notas descriminadas por cada ano lectivo.
Questionado se em algum instante notificou o funcionário para que comprovasse que realmente estava a estudar, Abel Piqui admitiu que nunca o fez. Porém, não demonstrou sinal algum de recuo da sua decisão, tanto que não atendeu as seguintes chamadas telefónicas que fizemos.
Rumor sobre o motivo
Domingos Kimbila já concluiu a parte curricular da licenciatura, e prepara-se agora para defender a monografia e, assim, poder ostentar o título de jurista. Enquanto decorreu a sua formação em Luanda, Kimbila manteve-se sempre em contacto com Benedito Jeremias Dalí, natural do Moxico e um dos presos políticos do processo 15+Duas.
Dito Dalí, como é mais conhecido o activista, esteve no Moxico no ano passado para ser recadastrado como funcionário do ministério da Geologia e Minas. Teve imensa dificuldade para ver actualizada a sua situação laboral, e o F8 denunciou as manobras do regime do MPLA.
Supostamente por ter sido visto a caminhar com Dito Dalí no Luena no ano passado, Kimbila passou a ser encarado como crítico ao MPLA, partido do director provincial da Educação. Alguns colegas de Kimbila contaram-lhe que é este o principal motivo para não ser recadastrado.
“Disseram-me também que lá estão a comentar que só não fui preso com o Dito porque tive muita sorte naquele dia”, desconfia-se.
“O Estado ainda me deve”
Domingos Armado Kimbila foi sub-director da escola 180 – Kuenha, de 2005 a 2007. Ao longo do exercício deste cargo nunca lhe foi pago o subsídio de chefia. “Nunca recebi os subsídios de director e a desculpa sempre foi de que receberia depois”, lamentou.
Depois foi colocado na direcção provincial da Educação, onde esteve até a data em que não foi admitido o seu recadastramento. Na qualidade de técnico de planeamento e estatística deveria auferir também um subsídio específico pela ocupação, mas nunca beneficiou de tal abono legal.
“Trabalhei durante esse tempo todo contando que algum dia seria resolvida essas questões. Alguns colegas meus, da segunda fase de nomeações, beneficiam dos subsídios, mas eu e alguns colegas da primeira fase nada”, deplorou.
Últimas tentativas
A equipa de recadastramento continua no Moxico, e “os funcionários até estão sensíveis com a minha situação”, mas nada podem fazer sem a confirmação da efectividade do director provincial Abel Piqui. Domingos Kimbila solicitou formalmente, em finais de Março, uma audiência com o director provincial da Educação, quando anteriormente era desnecessário esse formalismo. Abel Piqui negou a audiência.
Discretamente, pois temem o poder do secretário para a informação do MPLA, funcionários do ministério das Finanças aconselharam Domingos Kimbila a recorrer às instituições superiores.
Agastado, Kimbila esperava que o telefonema do F8 fosse suficiente para dissuadir o director provincial. Sem sucesso, Kimbila aguarda por uma acção do órgão superior, no caso, do ministério da Educação, para que seja finalmente recadastrado.